sábado, 25 de setembro de 2010

A RELIGIÃO E A TELEVISÃO: ÓPIO OU REMÉDIO DA HUMANIDADE?

* Antonio J. Moraes


1] A Religião é um dos temas mais discutidos ao longo da história da humanidade. Ela é algo intrigante, pois deixa o homem em conflito consigo mesmo, ora se apresenta como mediadora entre o homem e Deus, ora o sentencia ao inferno. Em nome de Deus, ela, a religião, se denomina como porta voz da Divindade, aquela que faz o elo entre o profano e o Sagrado, entre o humano e o Divino.

2] O homem é um ser religioso por natureza [homo religiosus]. Desde quando nasce o homem busca um Ser Superior para encontra sentido na sua existência terrena. O homem necessita se auto afirmar existencialmente para poder continuar a trilhar seu caminho existencial. A busca por meio da crença religiosa é um dos primeiros recursos utilizados pelo homem para suprir sua angustia existencial, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger.

3] Mas o que é crença religiosa? Crer religiosamente significa depositar a esperança humana em algo exterior ao gênero humano por meio de ritos, símbolos, gestos e sinais criados pelo próprio homem para justificar sua crença no Transcendente. É uma crença institucionalizada, muitas vezes mercadológica.

4] Outro recurso utilizado pelo gênero humano para si auto afirma existencialmente é como ser pensante [racional], que é a utilização da sua racionalidade, que é justamente a faculdade que lhe diferencia dos demais seres vivos. Se como ser religioso, o homem busca sentido existencial fora de si para compreender sua condição humana, muitas vezes castradora, como ser racional, o homem busca em si mesmo o sentido de sua existência e de sua condição humana de possibilidades.

5] Karl Marx, filosofo alemão do século XIX, não dedica nenhuma obra especifica que trata de religião, apenas faz inúmeras referencias sobre ela em suas memoráveis obras. Na sua obra “A Questão Judaica”, Marx apresenta sua percepção sobre a religião como sendo relativa à esfera privada, ou seja, crença individual não expressar publicamente por meio de ritos, símbolos, sinais e/ou gestos ou em uma comunidade religiosa. Para ele, nesta obra citada, o Estado não deve se ater a nenhum tipo de religião, o Estado deve ser totalmente laico.

6] O Estado brasileiro, nos períodos colonial e imperial, foi oficialmente cristão católico, não permitindo a presença e atuação de outras denominações cristãs neste período histórico. O catolicismo reinou por longos e bons tempos através do Regime do Padroado, que foi uma espécie de acordo entre a Coroa brasileira e o Vaticano (Igreja Católica Apostólica Romana). O imperador brasileiro Dom Pedro I, e depois seu sucessor Dom Pedro II, era chefe de Estado e mandatário eclesiástico, e os bispos brasileiros, os chefes eclesiásticos hierarquicamente, estavam subordinados ao Imperador. Esta é uma herança medieval de modelo de Estado que controla todas as instâncias do poder.

7] O acordo do Padroado só começou a desmoronar com a Proclamação da República brasileira em 15 de novembro de 1889 e se concretizou com a promulgação da Constituição Republicana Brasileira de 1891, que abolia o regime monárquico e implantava o regime republicano e separa os poderes em legislativo, executivo e judiciário, herança do Iluminismo de Montesquieu, e como conseqüência a separação entre Igreja e Estado, religião e política de governo.

8] O ideais positivistas pensados por Auguste Comte, que valorizava a razão e a utilização da ciência, supera de fato a mentalidade religiosa de dominação via Estado, e também via sacramento. A população brasileira foi formada a partir dos ideais europeus, cujos jesuítas colaboram com o modelo de educação tradicional advindo da Europa, onde a elite brasileira era educada para a reprodução e manutenção da mesma no poder por meio da ciência ensinada religiosamente pela igreja e o povo era mantido analfabeto e preso à religião dominante através das pregações dominicais.   

9] Neste mesmo contexto histórico, século XIX, Karl Marx na Alemanha publica outra memorável obra intitulada “Introdução á critica da filosofia do direito de Hegel”, e deixa claro que a religião enquanto fora da esfera privada, ou seja, quando expressa comunitariamente, tinha relação essencialmente direta com um sistema ideológico de dominação. A religião, para Marx, constituía um fator de alienação do ser humano, pois o faz viver num mundo de ilusões, o que se constitui em obstáculos à sua completa emancipação enquanto ser livre que deveria de ser.

10] Em “Manuscritos econômico-filosóficos”, Marx cita que a vida de ilusões na sociedade tinha a religião como seu principal instrumento viabilizador e devidamente operada em favor das classes dominantes e que “este é o alicerce da crítica irreligiosa: o homem faz a religião; a religiosa não faz o homem”. Para Marx a religião é fruto da própria sociedade e não o inverso como aprendemos com o principio pedríneo (cf. Mt. 16, 18...) predito pela instituição religiosa que se apossou da herança dos ensinamentos e praticas de Jesus Cristo.   

11] O que se busca com esta afirmação é a emancipação deste homem das masmorras ideológicas que o ensinamento religioso lhe ocasiona, principalmente a partir do século IV, quando o cristianismo primitivo foi unido ao Império Romano e transformado em religião oficial imperial, devendo ser aderida por todos, independentemente se fosse politeísta ou pagão.

12] Quando algo se assenhoreia do ser humano, este algo passa a exercer poder efetivo de controle sobre ele, conduzindo-o à obediência fiel e irrestrita ao sistema que lhe deseja impor de manutenção e reprodução da dominação vigente (este “algo” podemos chamá-lo de Deus ou deus). Tal lógica não é percebida claramente assim pela sociedade de massa, uma vez que tal processo é fruto de uma cultura que se enraizou historicamente na consciência do povo, tanto dominado (devido à falta de conhecimentos cientifico, que os mantém alheios aos reais interesses da instituição religiosa, e para isso o modelo educacional jesuítico foi determinante) quanto de seus dominadores (que de tanto afirmar seu poderio acabam por serem vencidos por seus próprios argumentos).

13] Outro tema que instiga o homem a refletir é a influência da televisão na vida humana. Desde que a televisão surgiu, por volta do fim da Segunda Guerra Mundial, ela tem sido utilizada para os mais variados fins. O que esta em jogo (em discussão) não é o aparelho televisão, mas os interesses das emissoras de televisão (canais). O aparelho em si não é prejudicial, mas os interesses das emissoras muitas vezes são.

14] A televisão veio substituir o rádio. A modernidade chegou com o avanço da ciência no período da Segunda Guerra. Assim como o rádio (aparelho) foi utilizado por grandes líderes políticos (Adolf Hitler na Alemanha, e Getúlio Vargas no Brasil) para influências as massas populacionais, a televisão também tem essa incumbência. Se não teve no inicio, pelo menos depois acabou sendo utilizada para tal.

15] Existem canais de televisão que são sério, comprometidos com os valores éticos e morais da sociedade, mas muitos outros não são, ou se são, são por outros interesses (comerciais). Encontramos inúmeros programas bons, com conteúdos educativos de vital importância para a formação humana, política e social das pessoas. A televisão é o meio de comunicação de massa mais vendidos nos últimos tempos. Ela substituiu o rádio, mas esta sendo vencida pela internet e outro meio mais modernos da contemporaneidade.       
          
16] Voltemos ao assunto inicial. O filosofo francês Michel Löwy em A Guerra dos deuses: Religião e Política na América Latina destaca sérios questionamentos acerca da visão marxista sobre a religião como sendo fator de alienação e ideologia de dominação. O referido filósofo menciona que este questionamento proposto por Marx teve, com certeza, o seu lugar de relevância na história, principalmente na Alemanha.

17] Será que a religião ainda é, como Marx e Engels a consideravam no século XIX, um reduto da reação, do obscurantismo e do conservadorismo? Será que ainda é uma espécie de narcótico, que intoxica as massas e as impede de pensar e agir claramente em seus próprios interesses? (Löwy, 2000). Para o pensador francês Michel Löwy, a resposta para tal questionamento é, na maior parte das vezes, positivas. Löwy destaca que a crítica marxista da religião deve ser repensada à luz de novos fatos que por sua vez promovem novos questionamentos sobre o papel da religião no mundo moderno. 

18] Para Löwy, sob a luz de novos movimentos religioso, essencialmente a Teologia da Libertação, que nascera dos seios da Igreja Católica Romana, em meados da década de 1960, que inseriu críticas contestadoras a própria pratica da igreja frente ao contexto histórico da época, há de se repensar a religião não mais como meramente alienante, mas utópica.    

19] Inicialmente a Teologia da Libertação, que nascera das reflexões religiosas das condições de sub-existência político-social de inúmeras comunidades latino americanas, buscava refletir o Evangelho e a partir do exemplo de Jesus Cristo viver um cristianismo autentico, onde a solidariedade e a fraternidade ultrapassam as literaturas e são postas em práticas concretucionais. A cúpula da Igreja Romana condenou tal pratica, pois implicava em contestar modelo de governos (ditaduras militares) e práticas políticas de Estado (capitalismo).

20] Löwy vai beber em Ernest Bloch que trás uma nova concepção de utopia, não mais como “névoa que encobre a realidade”, como outrora pensado por Marx, mas como “forma de protesto e rebeldia, onde a religião é uma das formas mais significativas de consciência utópicas, uma das expressões mais ricas do princípio esperança”. Tal concepção é reflexão dos acontecimentos do período da ditadura militar em toda a América Latina: repressão; mortes; violência; desrespeitos políticos; miséria; e etc. De dentro da própria religião (Igreja) se levantaram vozes proféticas que denunciaram os abusos e as injustiças promovidas e mantidas pelos governos militares em toda a América Latina.

21] Contemplando a realidade que nos envolve neste inicio de século XXI, percebemos a inserção de alguns setores a igreja entremeio às classes populares, encampando as lutas daqueles que vivem, na maior parte de sua existência, às margens da sociedade, subsistindo de forma precária, indigna. Nas décadas de 60, 70 e 80, esta inserção era bem significativa, mas acabou perdendo forças com a advinda de um novo movimento religioso dos Estados Unidos para varrer os ideais da Teologia da Libertação: o neo-pentecostalismo. Este novo movimento religioso é oposto ao da Teologia da Libertação, pois o que é essencial é o espiritual.

22] Como ocorreu nos tempos bíblicos onde podemos contemplar a existência de profetas e sacerdotes, cada qual com preocupações distintas e posicionamento político-ideologico divergentes, assim também ocorre com a religião na era moderna. Há aqueles que representam tão somente os interesses ordinários da instituição igreja (os eclesiásticos); os que contemplam tão somente os lucros e os dividendos monetários e sociais que possam advir da subserviência fiel e irrestrita de sua plebe (os religiosos tele-visíveis, que pregam o Evangelho via meios de comunicação de massa, com curas e expulsões de demônio, e que apelam para a contribuição financeira para o pagamento da Embratel no final do mês para saldar as transmissões via tv).

23] Existem alguns poucos que ousaram (e ousam) erguer suas vozes contra tudo aquilo que aliena e domina o ser humano de forma opressiva e castradora; aqueles que denunciam o sistema e as estruturas ideológicas que se encontram presentes na forma organizada institucionalmente de ser igreja, e que acabam por oprimir e enclausuras a pessoa novamente nas masmorras teocráticas da religião oficial (ou predominante).

24] Podemos perceber que a crítica marxista da religião de Michel Löwy em sua crescente reconstrução histórico-conceitual tem observado continuamente que a religião pode ser tanto ópio (narcótico que provoca dependência espiritual ou social) como remédio (que cura, cicatriza feridas de todos os tipos, principalmente da alienação político-social), o que depende tão somente das circunstâncias que a cercam assim como a forma que se dá sua inserção no cotidiano as sociedade. Para tal proposto a educação religiosa deve ser libertadora, por meio da utilização das ciências de forma concisa e comprometida com a comunidade e não direcionada a um pequeno grupo de dominadores que insiste em permanecer no poder utilizando velhas táticas: a Teologia do 3D: diabo (para impor medo nas pessoas), dizimo (para expandir a dominação via tv e usufruir disso) e Deus (se sobrar tempo “que Deus te abençoe e volte sempre para trazer o teu dízimo para a igreja”).   

* Antonio José Moraes é graduado em Filosofia pela UCDB – Universidade Católica Dom Bosco; e em Teologia pela UNIGRAN Centro Universitário da Grande Dourados; com pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNAES – Centro Universitário de Campo Grande, MS; e em Metodologia do Ensino de História pela UNIC – Universidade de Cuiabá; e em Fé e Política pela PUC Rio -- Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Escritor membro da ANE/MS – Associação dos Novos Escritores de Mato Grosso do Sul. E é sacerdote, capelão no Hospital Universitário da UFMS e na UNEI -- Unidade de Educação de Internação de Menores Infratores. 

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